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domingo, 27 de julho de 2008

Será que sabemos mesmo o que é DEMOCRACIA?

Em muitas conversas, quando abordo a questão da forma com a Democracia é praticada, é comum o interlocutor assustar-se e perguntar: "Você prefere a Ditadura?"

É desnecessário argumentar que questionar a democracia, na forma como ela é adotada em todos os países, não significa que eu "prefira outra forma de governo". Parece que as pessoas estão, em sua maioria, adormecidas e sem nenhuma vontade de despertarem.

Encontrei um artigo, publicado no Jornal Valor Econômico, que nos leva a fazer uma série de reflexões; inclusive sobre a "utilidade" da forma "democrática" que estamos vivendo.

Boa reflexão:

Votar é eleger uma imagem?

Por Sócrates Nolasco, para o Valor, do Rio -- 13/06/2008

Sabemos que vigora no Brasil uma descrença nos políticos, isso não é novidade. Os motivos pelos quais a população chegou a essa conclusão foram muitos. Todavia, qualquer político presente na cena pública foi eleito pelo voto. Há quem diga que se o voto não fosse obrigatório nenhum político se elegeria. No entanto, esse não é o caso: um político da situação foi escolhido pela urna, quer dizer, alguém votou nele. Afinal, como pensa o eleitor que vota no político que, posteriormente, desqualificará? Quais são os parâmetros que poderíamos utilizar para compreender essa dinâmica, que envolve um eleitor e a imagem que o faz votar no político que escolhe? Votar é eleger uma imagem?

clip_image001Além de ato político, o voto serve como catalisador para a fantasia do eleitor, que, transcodificada em imagem, firma o compromisso entre seu mundo interno e a realidade da qual faz parte. Posto dessa forma, esse pacto é pura magia, herdeira da mesma que Fausto usou para realizar seus desejos.

Podemos considerar duas hipóteses norteadoras dessa fantasia do eleitor-candidato. A primeira parte do princípio de que o Brasil lhe deve alguma coisa. A segunda complementa a primeira, compondo com ela a visão de mundo desse eleitor. Ela supõe que o candidato será alguém que virá para cuidar de sua vida, fazendo-a melhorar.

Essa entrega fantasiosa expressa no voto tem para o eleitor-candidato um impacto emocional maior do que o político, gerando nele apatia e conformismo. Portanto, ela é necessária para a manutenção do establishment; conseqüentemente, favorece que o eleitor-candidato fique de braços cruzados.

O eleitor-candidato justifica suas ações escusas ou abusivas, partindo de ambos pressupostos, na medida em que ele sente que o mundo está em dívida com ele. Ele é vitima.

Na falta de um banheiro, o sujeito urina na rua, pois a cidade lhe deve um vaso sanitário na hora em que ele precisa urinar. Se foi de esquerda porque bem quis, julga-se no direito de ser indenizado pelos problemas que essa opção lhe causou. Quando rouba, ele só furta o que é de grife, pois a mercadoria do camelô não serve. Mesmo que esteja fortemente armado para viabilizar seus negócios com drogas, nem pensa em usar essas armas para fazer uma revolução social. Se tem um cartão corporativo, paga suas contas na Disney - afinal, o Brasil lhe deve isso.

Um sujeito que trabalha sobre essa base funciona segundo a lei da vítima, que nos nossos dias tem muito status. Ser vítima é um bom negócio, na maioria das vezes até melhor do que as ações da Vale.

O eleitor e seu político compõem uma unidade. Juntos, fazem existir um cotidiano permeado por abuso de poder, violência e ganância. Travestido de uma falsa modéstia, esse eleitor-político se sente no direito de se apropriar do que considera seu. Talvez isso sirva para abafar o conflito moral produzido pelos delitos cometidos. O eleitor-candidato está em toda parte e se faz presente em várias classes sociais. Sua máxima é se dar bem a qualquer custo, porque é uma vitima do destino. Ele pode ser flanelinha, banqueiro, governo ou ainda um cidadão comum que joga altinho na praia, cheia, aos domingos.

Cada vez que vota, esse tipo de eleitor acaba com o mistério que existe na vida, fazendo surgir um clima de descrença e medo no cotidiano. Para suportar tudo isso, ele se alimenta de frenesi e excitação - deixou de saber o que é alegria.

Tempos atrás, foi dito que para cada homem há uma imagem que faz o mundo inteiro desaparecer. O mundo da vítima faz desaparecer o mundo do compromisso, da lealdade e da amizade sem interesse. O eleitor-candidato, quando age impelido por sua fantasia, pensa que pode bastar a si mesmo. Ele aspira a uma vida cheia de milagres, sem perceber que vive dentro de uma desilusão radical, motivado por um sentimento de incapacidade para construir um novo presente para si mesmo. Esse eleitor-candidato nasceu da pobreza da experiência, nos parâmetros de Benjamin, é ele quem financia a barbárie.

Sócrates Nolasco, psicanalista, é professor de psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), autor de "O Mito da Masculinidade, de Tarzan a Homer Simpson: Violência Masculina", dentre outros.

Este artigo reflete as opiniões do autor e não do "Valor". O jornal não se responsabiliza nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.

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